segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Descompasso

O bicho carpinteiro da curiosidade estava lá. Ela dormia, acordava, trabalhava e não conseguia parar de imaginar o que aconteceria se enterrasse de uma vez por todas o que tinha com ele. Já não sabia mais por onde ele andava, o que fazia da vida, afinal de contas, não se falavam há muito tempo. Mas a sombra do que viveram juntos ainda permanecia dentro dela, numa esquina que, ultimamente, estava sendo muito visitada.
Numa noite dessas, decidiu enviar uma mensagem para o número de celular que ainda tinha na memória. Não sabia se funcionaria, o número ou a mensagem. Nem sabia o quê escrever... Ficou ali por horas, celular na mão, mil ideias na cabeça. "Já sei!" E enviou: "Me ligue." Incrível como o sistema de mensagens é rápido! Um minuto depois de pressionar "enviar", o telefone começou a tocar. Era ele; mesmo número, mesma ansiedade por falar. Aliás, o quê falar? Disse "oi" e esperou pelo que viria.
"Que surpresa!"
"É, eu sei. Nem eu imaginava isso."
"E aí?"
"Ããã?"
"E aí? Qual é?"
"Sei lá. Achei que deveria te procurar, dizer alguma coisa. Tenho pensado muito no que seria se a gente se encontrasse de novo, amadurecidos, alguma bagagem diferente."
"Claro! Vem pra cá!"
"Ããã?"
"Quando você pode vir pra cá?"
"É... Não sei. Eu te ligo amanhã. Tenho que desligar."
"Não. Eu te ligo. Me mande uma mensagem, como você fez hoje."
"Tá. Tchau."
Trinta e sete dias se passaram. Ele não ligou. Ela tampouco. Mas, quarenta e um dias depois, ela enviou uma mensagem direta: "Me encontre em 3 horas." Vinte e três minutos depois, o telefone toca:
"Quê isso?! Em 3 horas?"
"É. Se não for isso, vai ser difícil a gente ter outra oportunidade de se encontrar."
"Tá bem. Mas vai ser difícil... Dane-se. Eu vou. Onde é que eu te encontro?"
"Você se lembra daquela livraria que eu gosto tanto? Te encontro lá."
"Claro que me lembro. Em 3 horas a gente se vê. Beijo."
Escolheu um sofazinho charmoso, pensou em dúzias de frases para despejar. O telefone tocou.
"Tô chegando. Vem pra entrada."
Teve a sensação de que aquilo não seria como havia imaginado. Oito minutos depois, ele apareceu. Entrou no carro. Trocaram sorrisos nervosos. Ele sabia o quê fazer porque dirigia; ela abriu a própria bolsa e começou a procurar não-se-sabe-o-quê.
"E aí?"
"Ããã?"
"Você pensou em algum lugar?"
"É... Eu..."
"Sugiro um lugar aqui perto, que eu não conheço, mas dizem que é legal."
Duas esquinas depois, velocidade reduzida. 
"A gente vai passar a noite?"
Ããã?"
"Peço 3, 6 ou 12 horas?"
"Eu não pensei em vir pra cá."
"3 horas, então."
...
"Você já se casou?"
Ficou sem palavras. Como é que ele sabia daquilo?
"Na semana que vem."
"Normal. Muita gente faz isso na véspera, sabe como é."
"É, sei."
...
"Bom, foi legal te encontrar de novo! Sinto falta de conversar com você!"
"É, foi legal te encontrar. Se cuida."
...
E o bicho carpinteiro morreu, assim como a poesia.

Bicho carpinteiro, por Marta Martins (http://br.olhares.com/bicho_carpinteiro_foto1740681.htm).




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