segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Pequena Grande Diferença



O que diferencia o homem dos demais animais não é simplesmente a sua razão. O homem tem consciência de sua morte. O homem vive para adiar sua morte. Desta maneira, vive para não morrer. E isto faz toda a diferença. Os animais vivem um momento de cada vez, garantindo sua sobrevivência no agora, sem pensar no depois. Sendo assim, vivem por viver. E isto faz toda a diferença.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

E eles não foram felizes para sempre.

Porque os corações serão sempre magoados. Sim. Foram criados para serem magoados, esmagados, não levados em consideração. É uma questão de tempo. É cíclico. E é uma espiral ascendente. Vêm dor, lágrimas, vontade de sumir, pensamento que não varia, uma, duas, três garrafas de vinho. E quando se pensa que tudo acabou, que a fase ruim ficou para trás... Vêm dor, lágrimas, vontade de sumir, pensamento que não varia, uma, duas, três garrafas de vinho novamente. Mas não é igual. Jamais será. Porque cada um que vai deixa um pouco de si e leva um pouco de nós. É fato. Não dá para sair imune, ileso, inteiro. É essa a questão para os não-finais felizes. Jamais existirão finais felizes. Desculpe decepcioná-lo, mas não creio que histórias se fecham, portanto, não há como avaliar os finais. Existe apenas um entra e sai, um vem e vai de pessoas. E nesse trânsito não há regras, não há normas, há apenas você e sua capacidade de se recompor a cada vez que seu coração-feito-para-ser-destruído é colocado à prova. Não, a outra pessoa jamais estará inteira com você. Não, você jamais estará inteiro com esta outra pessoa. Sim, a outra pessoa quer ganhar com a relação. E você também. E no momento que a balança for desfavorável, 'au revoir'. Não há como escapar disso. Portanto, pare de achar que 'desta vez vai dar certo' ou 'encontrei a pessoa certa pra mim'. Nada disso é totalmente possível. Existem oportunidades de estar bem, satisfeito e feliz. Aproveite as suas e se prepare para a queda. Ela vai acontecer quando você menos esperar.

domingo, 7 de setembro de 2008

Solidão I

Uma simples homenagem aos domingos de solidão, aqueles que vêm e vão.
Para o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=XYKPyjH2sVQ.

Lonely Day
(System of a Down)


Such a lonely day
And it's mine
The most loneliest day of my life

Such a lonely day
Should be banned
It's a day that I can't stand

The most loneliest day of my life
The most loneliest day of my life

Such a lonely day
Shouldn't exist
It's a day that I'll never miss
Such a lonely day
And it's mine
The most loneliest day of my life

And if you go, I wanna go with you
And if you die, I wanna die with you
Take your hand and walk away

The most loneliest day of my life
The most loneliest day of my life
The most loneliest day of my life
Life

Such a lonely day
And it's mine
It's a day that I'm glad I survived


Dia Solitário
(tradução: B.Borges)

Um dia tão solitário
E é meu
O dia mais solitário da minha vida

Um dia tão solitário
Deveria ser proibido
É um dia que não consigo suportar

O dia mais solitário da minha vida
O dia mais solitário da minha vida

Um dia tão solitário
Não deveria existir
Um dia do qual jamais sentirei falta
Um dia tão solitário
E é meu
O dia mais solitário da minha vida

E se você for, quero ir com você
E se você morrer, quero morrer com você
Pegar sua mão e ir embora

O dia mais solitário da minha vida
O dia mais solitário da minha vida
O dia mais solitário da minha vida
Vida

Um dia tão solitário
E é meu
Um dia que agradeço por ter sobrevivido

terça-feira, 5 de agosto de 2008

De repente 30

Faz alguns dias, brigava por ir às festas no horário em que deveria estar voltando. Há bem pouco tempo, fantasiava meu primeiro beijo, com aqueles vários primeiros amores (e o primeiro foi num simpático desconhecido). Ainda ontem, fui morar fora de casa, sem saber cozinhar ou lavar. Sim, foi tudo de repente. E hoje tenho trinta anos. E? Sei lá. São tantos os comentários e cobranças que vêm com esta idade. E eu continuo sem saber, sem entender a importância. Nunca fui dada a seguir padrões, sempre quis questionar as regras, sempre quis saber os porquês. Isto eu continuo sem entender; não entendo a importância. A rapidez relativa da vida já me trouxe até aqui, resultando neste emaranhado de acontecimentos que definem o que sou hoje. Por acaso, no hoje tenho trinta. E não me sinto nem jovem, nem velha, nem tola, nem sábia; apenas me sinto. Sou a minha memória do que já vivi até aqui, até hoje. Coleciono em mim as várias Biancas obsoletas que, armazenadas, formam esse museu de acervo inconstante que sou. Nem tola, nem sábia, mas algo no meio. Nem preta, nem Bianca, mas algum tom de cinza: cinza-trinta.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

sem título I



Decidi postar um poema de Bukowski em homenagem a um amigo que decidiu sair de cena à sua maneira. Já sinto saudade.

Cause and Effect

(Charles Bukowski)

the best often die by their own hand

just to get away,
and those left behind
can never quite understand
why anybody
would ever want to
get away
from
them

Causa e Efeito
(tradução: B.Borges)
os melhores geralmente morrem pelas próprias mãos
apenas para escapar,
e aqueles deixados para trás
nunca conseguem entender bem
por que alguém
quereria alguma vez
escapar
deles

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Pipoca, chocolate e encantamento


Lá estava eu em mais uma noite de bate-papo num bar qualquer... À mesa, estavam não só amigos, mas também uns amigos dos amigos. Entre um assunto e outro, uma pessoa começou a falar que ia ao cinema apenas para comer a pipoca: “Compro aquele saco bem grande de pipoca, cheio de manteiga e vou pra sala de projeção... Já que tenho direito a um refil, saio no meio do filme e peço pra que encham de novo. Quando acabo de comer o refil, vou embora. Pouco me interessa o filme! O que eu quero é comer aquela pipoca deliciosa, uma por uma, bem cheia de manteiga. Delícia!” (É claro que não foram poucas as críticas quanto à atitude do rapaz.) Foi então que me lembrei do poema ‘Tabacaria’ de Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos, no qual o poeta vê a menina que come chocolate do outro lado da rua. Transcrevo o trecho aqui:
...
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

...
Nesse momento, a menina realiza uma experiência estético-degustativa e nem se dá conta disso, assim como o rapaz que come apenas a pipoca, diferente de qualquer pessoa que come para se alimentar. Os dois curtem o prazer inerente à experiência estética somente possível para aqueles que se permitem ter os sentidos aguçados e entregues às mais completas sensações possíveis para o ser humano. É como simplesmente olhar um jardim ou um quadro, não para procurar respostas, mas apenas para contemplar e depreender tudo o que é sensível. Penso que hoje o sistema pouco permite ao ser humano o ócio necessário para o aguçamento dos sentidos para que se perceba melhor os sons, os tons, as texturas, os gostos, os cheiros. A meditação, que consiste em fazer o mundo parar, não acha espaço na vida corrida que insistem em nos empurrar. Somente paramos pra dormir. E, às vezes, nem pra isso. E por que acredito na necessidade do prazer estético? Porque as pessoas precisam de encantamento, a sensação advinda da experiência conjunta da razão e da sensibilidade. O encantamento permite ao ser humano a sensação única de existir no mundo, de se integrar aos seus fenômenos e ser capaz de julgar valores reais, e não simplesmente se transformar num objeto de consumo, desencantado pelo condicionamento de massa. Mario de Andrade já disse: "Meu destino não é ficar. Meu destino é lembrar que existem mais coisas que as vistas e ouvidas por todos." Há muito mais por aí do que nos é apresentado... Encantem-se e descubram.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

...não há fusão.

Estética da Criação Verbal - Mikhail Bakhtin: Quando contemplo um homem situado fora de mim e à minha frente, nossos horizontes concretos, tais como são efetivamente vividos por nós dois, não coincidem. Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre serei e saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar, – a cabeça, o rosto, a expressão do rosto - o mundo ao qual ele dá as costas, toda uma série de objetos e de relações que, em função da respectiva relação em que podemos situar-nos, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando estamos nos olhando, dois mundos diferentes se refletem na pupila dos nossos olhos. Graças a posições apropriadas, é possível reduzir ao mínimo essa diferença dos horizontes, mas para eliminá-la totalmente, seria preciso fundir-se em um, tornar-se um único homem.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Embriaguez

Descobri algumas atividades essenciais aqui pelo cerrado... A primeira delas, como já disse na apresentação deste blog, é escrever. E para escrever, tenho lido mais do que estava acostumada a fazer, incluindo nas leituras incessantes muita poesia. Aliás, me descobri seguidora de uma nova religião, a religião da poesia! É no poder da poesia que acredito; é a poesia que pratico; é nela que quero viver e deixar viver.
Uma segunda atividade, que se tornou extremamente freqüente, é beber, beber bebidas alcoólicas, beber até me perder, não ter mais sentidos, sentir que tudo flui, que exalo o meu eu, que me perco nos limites do meu corpo, me perco até adormecer...
Já falei demais por hoje... Deixo aqui um poema sábio de Baudelaire. É mais que um poema; é a tradução do meu novo estilo de vida. E se conselho fosse bom...


Enivrez-Vous
(Clarles Baudelaire)
Il faut être toujours ivre.
Tout est là:
c'est l'unique question.
Pour ne pas sentir
l'horrible fardeau du Temps
qui brise vos épaules
et vous penche vers la terre,
il faut vous enivrer sans trêve.
Mais de quoi?
De vin, de poésie, ou de vertu, à votre guise.
Mais enivrez-vous.
Et si quelquefois,
sur les marches d'un palais,
sur l'herbe verte d'un fossé,
dans la solitude morne de votre chambre,
vous vous réveillez,
l'ivresse déjà diminuée ou disparue,
demandez au vent,
à la vague,
à l'étoile,
à l'oiseau,
à l'horloge,
à tout ce qui fuit,
à tout ce qui gémit,
à tout ce qui roule,
à tout ce qui chante,
à tout ce qui parle,
demandez quelle heure il est;
et le vent,
la vague,
l'étoile,
l'oiseau,
l'horloge,
vous répondront:
"Il est l'heure de s'enivrer!
Pour n'être pas les esclaves martyrisés du Temps,
enivrez-vous;
enivrez-vous sans cesse!
De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise.

Embriague-se
É preciso estar sempre embriagado.
Aí está:
eis a única questão.
Para não sentir
o horrível fardo do Tempo
que pesa os seus ombros
e o inclina em direção à Terra,
é preciso que se embriague sem cessar.
Mas com quê?
Com vinho, com poesia, ou com virtude, à sua escolha.
Mas se embriague.
E se porventura,
nos degraus de um palácio,
na relva verde de um fosso,
na morna solidão de seu quarto,
você acordar,
a embriaguez já tiver diminuído ou desaparecido,
pergunte ao vento,
à onda,
à estrela,
ao pássaro,
ao relógio,
a tudo que flui,
a tudo que geme,
a tudo que gira,
a tudo que canta,
a tudo que fala,
pergunte que horas são;
o vento,
a onda,
a estrela,
o pássaro,
o relógio,
responderão:
“É hora de se embriagar!
Para não ser escravo martirizado do Tempo,
Embriague-se;
Embriague-se sem cessar!
Com vinho, com poesia ou virtude, à sua escolha.”

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Fim do Silêncio






Depois de um longo período de silêncio, decidi quebrá-lo postando um poema de Anaïs Nin. Para aqueles que não a conhecem, não vou dar qualquer informação; pesquisem. Posso adiantar que Nin dizia que o erotismo é uma das bases do conhecimento de nós mesmos, tão indispensável quanto a poesia. Vale a pena descobri-la!
.
.
RISK
(by Anaïs Nin)
And then the day came,
when the risk
to remain tight
in a bud
was more painful
than the risk
it took
to Blossom.

RISCO
E então veio o dia,
no qual o risco
de ficar apertado

num botão
era mais doloroso
que o risco
de Florescer.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Sobre a Loucura


Há um certo tempo a loucura tem ocupado o meu tempo de processamento mental. De uns tempos pra cá ela tem transitado pela minha vida numa freqüência cada vez maior. Acho que minha consciência sobre a loucura começou a se estabelecer quando me assumi necessitada de terapia e decidi procurar uma psicóloga que, penso, é um tipo de louco também. Sim, porque pra passar tantas horas ouvindo as histórias de outros loucos, só sendo louco. E, se ainda não o é, depois de um certo tempo, fatalmente, acabará o sendo. E incluo nesta lista de loucos os psiquiatras, analistas e todos os profissionais que fazem parte deste grupo de pessoas dotadas de ouvidos muito preparados pra este tipo de tarefa prodigiosa. Há também um outro grupo, o daqueles que são considerados loucos, mas que, se questionados, negam sempre a sua condição estabelecida pelos outros. Ao pensar neste grupo, dois episódios interessantes me vêm à cabeça.
Dia desses, esperava por um ônibus quando um rapaz se aproximou e me ofereceu água. Ele trazia uma garrafa de plástico cheia do liquido, parava em frente às pessoas e simplesmente oferecia água. Agradeci a gentileza ao contrário das demais pessoas que, ao perceberem a aproximação demasiada, já saíam sem dar qualquer resposta ao solícito rapaz. Depois de muito esperar, o ônibus passou e entramos nele: eu, minha irmã, duas amigas e o rapaz. E, é claro, ele continuou sua missão de exterminar a sede por onde passava até que, ao oferecer água para um rapaz bem forte, teve a garrafa arrancada de sua mão e arremessada pela janela do transporte público. Era possível ver a tristeza tomando conta do solícito exterminador da sede, agora “inutilizado” por um transeunte descontrolado. (Quem é o louco?)
O segundo episódio ocorreu numa cachaçaria. Um senhor aparentemente sóbrio entrou pelo bar, sentou-se, pediu sua cachaça favorita. Mal foi servido, olhou para a minha mesa e disse: ‘São três reis magos.’ Fingi que compreendi com o meu olhar e continuei a degustar uma caipirinha de tangerina que não estava descendo bem. De novo: ‘São três reis magos.’ E de novo. Ele degustava uma, outra e outra cachaça e repetia a mesma frase, até que, um tempo depois, pediu que uma canção da Elza Soares fosse colocada, ordem essa que não foi rejeitada pelo barman. E ele dedicou a canção a mim e minhas irmãs. Ao encontrarmos a saída do bar, ele finalizou: ‘São três rainhas magas.’
Nas duas situações, ouvi pessoas ao redor dizendo: ‘Ih, é maluco.’ Mas quem são os normais? Quem são os loucos? Oferecer água é bizarro? É normal arrancar as coisas das mãos das pessoas? Estabelecer contato com desconhecidos é coisa de louco? Quais são os limites da normalidade ou da insanidade? Vejo várias pessoas se auto-definirem muito loucas porque saem na madrugada, bebem excessivamente, trepam com qualquer um, fumam maconha e acordam bem cedo pra trabalhar no dia seguinte. Isso é loucura? Vejo também o ensandecimento coletivo sendo estimulado e patrocinado no Carnaval. Mais bebida, mais sexo, mais drogas, e nenhuma carne na Quarta-Feira de Cinzas porque, afinal de contas, é o início da quaresma. Isso é ser louco? Ainda, despedidas de solteiro e de solteira, que são aquelas horas nas quais faz-se de tudo, porque, no dia seguinte, a vida tem que voltar ao normal e você vai se tornar uma pessoa séria, digna de compromisso. Isso até o próximo Carnaval ou a despedida de solteiro de um grande amigo seu. Que loucura de hora marcada é essa??? A loucura, a bizarrice, a insanidade, a irregularidade não têm controle!!! Penso que a loucura, o ensandecimento, é permanente, é um estado de espírito, é uma delícia promovida pela busca do auto-entendimento que nunca é alcançado, pela auto-aceitação ou não daquilo que não se compreende em si, pela perda da limitação do certo e errado imposto pelo outro numa tentativa de castração e controle. Isso tudo nos faz mais próximos da beleza, da poesia, da doçura, da harmonia e do amor. O padrão da normalidade imposta, que não tem definição, produz pessoas normais (ou pseudo-loucas, ou loucas honorárias) que não vêem o esplêndido, nem são felizes, nem entendem o amor. Os verdadeiros loucos, insanos na essência, pra mim, são privilegiados e poucos. Quero mais é ser bizarra, fora do padrão, atingir o nirvana da loucura. E permanecer.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Medo

De acordo com a Wikipédia, o medo é um sentimento que é um estado de alerta demonstrado pelo receio de fazer alguma coisa, geralmente por se sentir ameaçado, tanto fisicamente como psicologicamente. Pavor é a ênfase do medo. Ainda, o medo pode provocar reações físicas como descarga de adrenalina, aceleração cardíaca e tremor. Pode provocar atenção exagerada a tudo que ocorre ao redor, depressão, pânico, etc. No meu caso, meu medo me inspirou a escrever...


Phobos


O medo chegou cedo
rompeu o silêncio, a harmonia,
descompassou a sintonia,
veio para perdurar
Trouxe consigo a insegurança,
o desconforto
Como isso cansa!
Não consigo mais relaxar!
O nó na garganta,a boca seca,
vontade de gritar,
deixar vir de dentro
Não perder o momento
de dizer que te amar
é a mais sublime coisa que há
E não creio, querido, eu não creio
que tamanho sentimento
pudesse meu peito reter
mais uma vez nesta vida,
que de tanto vivida,
cultiva o medo de perder.


Foto: A Personificação do Medo, por Jose Luis Rodrigues.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

"I do my smiling in the rain."

Acho que não vai mais parar de chover por aqui... Meu guarda-chuva já não sabe mais o que é estar seco. Minhas roupas no varal não conseguem ficar secas. Meus sapatos estão sempre molhados. As poucas calçadas que existem estão repletas de poças maiores do que a capacidade das minhas pernas para pulá-las. As ruas estão repletas de verdadeiros lagos, por onde os carros passam e me molham sem cerimônia. O céu, já sem esperança, está encoberto por nuvens espessas. O vento sopra gelado, rebocando as pessoas e seus guarda-chuvas. Chove e chove chuva sem parar por aqui. Resumindo: Brasília cheira depressão pluviométrica.
Cansada de me proteger de tanta água por todos os lados, decidi fechar o guarda-chuva e deixar que a garoa da manhã me molhasse. Ela caía fininha, suave e ía tomando conta do que ainda estava seco: aos poucos já sentia no meu rosto uma umidade leve e gostosa. Quando dei por mim, estava carregando um sorriso idiota e caminhava como se tivesse molas adaptadas aos meus sapatos vermelhos. Apesar de toda a tristeza que uma chuva insistente pode inspirar, eu estava ali, feliz e cheia de vida, satisfeita com a garoa que caía e me umedecia de mansinho. Há muito tempo não me sentia assim: feliz, acima de tudo, apesar da chuva ou de qualquer outro contratempo. Sim, não sou mais a mesma, sinto que algo em mim mudou. O que mudou exatamente eu ainda desconheço, mas sei como cheguei até aqui. Isso me basta. E a chuva tímida da manhã me mostrou isso.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Paralelos

Mais um conto meu...

Há exatos três meses já não se falavam. O silêncio já tinha se tornado tão denso que era possível perceber a espessa parede que os separava. Tudo estava resumido numa só lembrança que já havia sido compartimentada em alguma esquina da sua memória... Observava a paisagem que corria pela janela do carro, quando escutou o som que vinha do telefone. Uma mensagem, e não uma mensagem qualquer, era responsável pela interrupção do silêncio.

Há exatos três meses teve notícia dela. Percebeu, ao acordar naquele dia, que o denso silêncio revelava a distância que surgia, fazendo com que o medo da real perda o invadisse cada vez mais. Saiu da cama e decidiu esquecer de lembrar-se dela.

Abriu a bolsa e encontrou o telefone. Expectativas à parte, avançou para o aparelho e... Não. Por que ele decidiu quebrar o silêncio? Por que uma mensagem? Relutou. Não sabia se queria saber dele.

Ligou a televisão. Esse é um dos seus filmes favoritos. Ela sempre falava desse filme... Trocou de canal. Culinária. Comida chinesa... Sempre comíamos naquele restaurante... Nosso segundo encontro... Trocou novamente de canal.

Por que ler? Por que ter acesso ao que ele pensa ou quer dizer? Mais uma vez: tudo já estava resumido e compartimentado em alguma esquina de sua memória. Desarquivar? Não... Deixou o aparelho de lado.

A televisão não estava disposta a colaborar com ele. Decidiu tomar um banho, deixar que a água levasse aquele coquetel de sentimentos embora. Ao entrar debaixo do chuveiro, percebeu que não tinha mais sabonete. Abriu o armário e lá estava ele: o último frasco de xampu deixado por ela.

Voltou a observar a paisagem que corria pela janela... A curiosidade tomou conta do espaço: precisava ler a mensagem, saber que palavras estavam esperando por ela. Avançou contra o aparelho novamente.

Chorou. Chorou tanto que o chuveiro não conseguia disfarçar a tristeza e o arrependimento que brotavam dos olhos. Preciso dizer o que sinto e tenho que ser rápido. Não posso ligar... Uma mensagem, o registro por escrito daquilo que quero. Preciso consertar isso. Preciso.

Correu os olhos pela longa mensagem, analisando cada palavra, interpretando cada expressão... No rádio, "The Hardest Part" preenchia o carro... Adeus, choro, tristeza, mágoa. Correu os olhos pela mensagem mais uma vez. Sorriu. Ele quer... Sorriu mais uma vez. Ele ainda pensa... Ele está arrependido.

Será que consigo tê-la novamente? Esperou a resposta para sua longa e desmedida mensagem, escrita com tanto esmero e dedicação.

Gargalhou. Riu tanto que já não tinha mais fôlego para sustentar aquele momento de êxtase. Depois de três meses ele conseguiu proporcioná-la um prazer tão intenso! Se soubesse, já teria lido a mensagem assim que a recebeu! Sentiu vindo de seu âmago duas palavras: bem feito. Sim, o sabor do troco silencioso era sorvete de pistache coberto com chantilly! E ela saboreou aquele momento que não parecia ter fim.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Sublime

Amo o abraço intenso
Amo dos lábios o sabor
Amo o ebulir do meu sangue
E nunca parto sem calor
Amo o não-limite
Amo sorver o sentir
Amo o suspiro mais longo
Não quero pensar no porvir
Amo o falir do corpo
Amo a completa exaustão
Amo ir contra o tempo
Quero viver o eterno então.



Para você, Me. =*