quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Sobre a Paixão e o Amor

Li no blog de um colega. Já que o que é bom é para ser dividido com os outros, coloco aqui o pequeno texto que, penso eu, justifica o que eu disse no meu último post.



"O Beijo" - Pablo Picasso

"Paixão é fome e só floresce na ausência do objeto amado. Mais precisamente, vive da ausência do objeto amado. A pessoa apaixonada não enxerga o outro, vê o que projeta nele. No amor, é possível perceber o outro e "apesar de", ainda amá-lo. Já a paixão não resiste ao tempo nem ao teste de realidade."

*** Texto de Ingrid Esslinger, postado por Rafael Gidra em http://alelodominante.blogspot.com/.

Sobre o "para sempre"

Alguém deixou um comentário num dos meus posts e, para respondê-lo, parei para pensar um pouco mais sobre essa história de relação à dois, amor, coisa e tal. Decidi, além de produzir um comentário, desenvolver um pouco mais a ideia...

Eu vou me casar. Sim, eu não pensei que esse dia fosse chegar e confesso que ainda fico com a sensação de que não acredito que isso está acontecendo na minha vida, toda a coisa de planejar cerimônia e festa, escolher vestido, decidir os presentes. Às vezes vem a impressão de que alguma coisa vai dar errado e nada vai acontecer pra valer. Acho que é por isso que não havia falado disso por aqui no blog até agora: o medo de fazer publicidade de uma coisa que não vai acontecer. Esse é um fantasma que eu estava carregando. Aliás, esse é um fantasma que continuo carregando... Percebi isso quando fui provar meu vestido pela primeira vez ontem.

A verdade é que não pensei que fosse me casar. Achava que, assim como tudo na vida, algumas pessoas fossem fazer isso e outras não, assim como algumas vão fazer pós-graduação e outras não. Já tinha desistido da ideia. E sabe por que? Porque não acredito que as pessoas devam se casar pelos motivos errados. E isso é o que eu mais vejo por aí. E sempre pensei: assim eu não quero. Não quero dividir minha vida e meus planos com alguém por dinheiro, porque o cara é lindo, por uma oportunidade de morar no exterior, ou porque não quero morrer solteira.

Outra coisa que comecei a perceber ao longo da minha vida foi que as pessoas idealizam demais. Elas se agarram aos seus sonhos e ficam tentando colocar outras pessoas neles. E, a partir daí, tá valendo tudo. A garota acha que o cara vai se casar com ela porque o beijo deles foi incrível, o cara acha que a garota vai abrir mão dos amigos porque ele é "o cara", a menina acha que o garoto vai parar de sair com os amigos depois de se casar com ela, o garoto pensa que a garota vai se converter à religião dele e não vai mais beber aos domingos. Poderia fazer uma lista imensa dos absurdos que eu já assisti ou já ouvi falar a respeito. No final, o resultado é sempre o mesmo: seres humanos esperando a fantasia e não vivendo a realidade.

Acredito, ainda, que o pior disso tudo é o rótulo. Todos dizem que amam. E não percebem que amam aquilo que idealizaram, não aquilo que é real, que é humano. É fácil amar aquilo que você sonhou e inventou. Carreguei muitos príncipes comigo e muitos deles não mereciam o título. Ou não queriam. Confesso que já idealizei muito, já criei muitas expectativas, e acabei não enxergando o que estava bem diante dos meus olhos. Talvez, por isso, alguns dos meus relacionamentos duraram muito mais tempo do que deveriam.

Aos poucos, comecei a buscar mais seres humanos do que super-heróis. Posso dizer que larguei as idealizações. Penso, hoje, que isso é fundamental para construir a tal relação que vai seguir por muito tempo. É por isso também que decidi casar somente agora; não havia encontrado uma pessoa que entendesse a minha humanidade, que me amasse pelo que sou, não pela possibilidade, e que eu amasse em retorno.

E foi num dia frio, enquanto estava sozinha no meu apartamento em Londres, que recebi esta mensagem:

"Apaixonar-se é projetar o que há de melhor do ser de uma pessoa sobre outro ser humano, é ver a sua própria imagem de divindade no outro. Por isso não sou apaixonado por você Little Bi, eu vejo a divindade que há em você e é por isso que eu te amo, pelo que você é."


E, naquele dia, percebi tive a confirmação de que já tinha encontrado a pessoa com quem queria dividir a minha vida e os meus planos (suspiros). O percurso até aqui não foi tranquilo. Nem tem que ser. Afinal de contas, não há rede de proteção para esse trapézio. Nem há rascunho. Há apenas a vontade de fazer o melhor.


"Que seja eterno enquanto dure." Amém.


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Clarice! Ah, Clarice!

Li este texto de Clarice e me apaixonei. Divido com vocês.

MUDANÇA

Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... leia outros livros.
Viva outros romances.
Não faça do hábito um estilo de vida. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias.
Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor.
A nova vida. Tente. Busque novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações.
Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado... outra marca de sabonete, outro creme dental... Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares.
Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano.
Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda !
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!

***Texto de Clarice Lispector

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Descompasso

O bicho carpinteiro da curiosidade estava lá. Ela dormia, acordava, trabalhava e não conseguia parar de imaginar o que aconteceria se enterrasse de uma vez por todas o que tinha com ele. Já não sabia mais por onde ele andava, o que fazia da vida, afinal de contas, não se falavam há muito tempo. Mas a sombra do que viveram juntos ainda permanecia dentro dela, numa esquina que, ultimamente, estava sendo muito visitada.
Numa noite dessas, decidiu enviar uma mensagem para o número de celular que ainda tinha na memória. Não sabia se funcionaria, o número ou a mensagem. Nem sabia o quê escrever... Ficou ali por horas, celular na mão, mil ideias na cabeça. "Já sei!" E enviou: "Me ligue." Incrível como o sistema de mensagens é rápido! Um minuto depois de pressionar "enviar", o telefone começou a tocar. Era ele; mesmo número, mesma ansiedade por falar. Aliás, o quê falar? Disse "oi" e esperou pelo que viria.
"Que surpresa!"
"É, eu sei. Nem eu imaginava isso."
"E aí?"
"Ããã?"
"E aí? Qual é?"
"Sei lá. Achei que deveria te procurar, dizer alguma coisa. Tenho pensado muito no que seria se a gente se encontrasse de novo, amadurecidos, alguma bagagem diferente."
"Claro! Vem pra cá!"
"Ããã?"
"Quando você pode vir pra cá?"
"É... Não sei. Eu te ligo amanhã. Tenho que desligar."
"Não. Eu te ligo. Me mande uma mensagem, como você fez hoje."
"Tá. Tchau."
Trinta e sete dias se passaram. Ele não ligou. Ela tampouco. Mas, quarenta e um dias depois, ela enviou uma mensagem direta: "Me encontre em 3 horas." Vinte e três minutos depois, o telefone toca:
"Quê isso?! Em 3 horas?"
"É. Se não for isso, vai ser difícil a gente ter outra oportunidade de se encontrar."
"Tá bem. Mas vai ser difícil... Dane-se. Eu vou. Onde é que eu te encontro?"
"Você se lembra daquela livraria que eu gosto tanto? Te encontro lá."
"Claro que me lembro. Em 3 horas a gente se vê. Beijo."
Escolheu um sofazinho charmoso, pensou em dúzias de frases para despejar. O telefone tocou.
"Tô chegando. Vem pra entrada."
Teve a sensação de que aquilo não seria como havia imaginado. Oito minutos depois, ele apareceu. Entrou no carro. Trocaram sorrisos nervosos. Ele sabia o quê fazer porque dirigia; ela abriu a própria bolsa e começou a procurar não-se-sabe-o-quê.
"E aí?"
"Ããã?"
"Você pensou em algum lugar?"
"É... Eu..."
"Sugiro um lugar aqui perto, que eu não conheço, mas dizem que é legal."
Duas esquinas depois, velocidade reduzida. 
"A gente vai passar a noite?"
Ããã?"
"Peço 3, 6 ou 12 horas?"
"Eu não pensei em vir pra cá."
"3 horas, então."
...
"Você já se casou?"
Ficou sem palavras. Como é que ele sabia daquilo?
"Na semana que vem."
"Normal. Muita gente faz isso na véspera, sabe como é."
"É, sei."
...
"Bom, foi legal te encontrar de novo! Sinto falta de conversar com você!"
"É, foi legal te encontrar. Se cuida."
...
E o bicho carpinteiro morreu, assim como a poesia.

Bicho carpinteiro, por Marta Martins (http://br.olhares.com/bicho_carpinteiro_foto1740681.htm).




domingo, 14 de novembro de 2010

Retornos

Já não postava há mais de um ano por aqui... E decidi voltar, recuperar a escrita, o intercâmbio de ideias. Sei que abandonei meus leitores e isso me deixa amargurada... É como se você trouxesse um bonito vaso de plantas pra casa e, de repente, parasse de regar... (deprê). 

A questão é que, por um ano, ou até mais que isso, estava num processo de clausura pessoal, me resolvendo, decidindo os rumos que queria para a minha insignificante existência, buscando o tal do encantamento da vida, fazendo uma "ego trip". E nesse percurso, muitas foram as histórias... A primeira delas foi passar três meses em Londres. Ainda não disse por aqui que, se existem vidas passadas, eu vivi uma das outras por lá.  Eu totalmente pertenço àquele lugar. É mais que estar numa cidade diferente; é sentir que seu lugar é aquele e não todos os outros onde você já colocou os pés. 
Bom, foi pelo êstase londrino que optei por fazer a minha missão transitória lá por aquelas bandas (missão transitória, no Itamaraty, significa ir a trabalho para um dos postos no exterior por um curto período, geralmente nada que exceda um ano). Nesta terceira vez, pisei na cidade completamente sozinha, sem amigos, família ou namorado. A questão era me descobrir naquele pedaço de chão, sem interferências, decidindo o dia-a-dia a minha maneira. Foi surpreendente, pra dizer o mínimo. Meus dias eram de constante encantamento pelo lugar, pela vida que eu levava por lá, mas eu senti uma saudade enorme de quem eu deixei no Brasil. A distância me fez perceber o papel importante que algumas pessoas têm na minha vida, nos meus dias. O sentimento de sobrevivência, o viver "apesar de", foi muito grande em mim. (Este foi um dos exemplos de "no one's got it all" que encarei nos últimos meses. Aliás, escrevo mais sobre isso depois...) 
Encontrei o cabelereiro perfeito, me apaixonei pelo iogurte Müller Corner, tomava sempre um café com muffin no Nero, dava um rolé "every now and then" na Oxford Street, mas nada preenchia o vazio de não estar perto de algumas pessoas (tentei me tapear com vinho francês, Baileys, mas sem sucesso). Além da falta das pessoas,  a vida londrina me fez perceber também tudo aquilo de que não gosto em Brasília...
Bom, eu disse que foram várias as histórias nesse período de um ano, mas não vou contar todas elas de maneira direta... Elas vão aparecer aos poucos nos contos, nas discussões, nos poemas.  É só esperar pra ver. A questão agora é que eu quero regar as minhas plantas novamente. E quero um jardim como jamais tive antes.