sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Sobre a Loucura


Há um certo tempo a loucura tem ocupado o meu tempo de processamento mental. De uns tempos pra cá ela tem transitado pela minha vida numa freqüência cada vez maior. Acho que minha consciência sobre a loucura começou a se estabelecer quando me assumi necessitada de terapia e decidi procurar uma psicóloga que, penso, é um tipo de louco também. Sim, porque pra passar tantas horas ouvindo as histórias de outros loucos, só sendo louco. E, se ainda não o é, depois de um certo tempo, fatalmente, acabará o sendo. E incluo nesta lista de loucos os psiquiatras, analistas e todos os profissionais que fazem parte deste grupo de pessoas dotadas de ouvidos muito preparados pra este tipo de tarefa prodigiosa. Há também um outro grupo, o daqueles que são considerados loucos, mas que, se questionados, negam sempre a sua condição estabelecida pelos outros. Ao pensar neste grupo, dois episódios interessantes me vêm à cabeça.
Dia desses, esperava por um ônibus quando um rapaz se aproximou e me ofereceu água. Ele trazia uma garrafa de plástico cheia do liquido, parava em frente às pessoas e simplesmente oferecia água. Agradeci a gentileza ao contrário das demais pessoas que, ao perceberem a aproximação demasiada, já saíam sem dar qualquer resposta ao solícito rapaz. Depois de muito esperar, o ônibus passou e entramos nele: eu, minha irmã, duas amigas e o rapaz. E, é claro, ele continuou sua missão de exterminar a sede por onde passava até que, ao oferecer água para um rapaz bem forte, teve a garrafa arrancada de sua mão e arremessada pela janela do transporte público. Era possível ver a tristeza tomando conta do solícito exterminador da sede, agora “inutilizado” por um transeunte descontrolado. (Quem é o louco?)
O segundo episódio ocorreu numa cachaçaria. Um senhor aparentemente sóbrio entrou pelo bar, sentou-se, pediu sua cachaça favorita. Mal foi servido, olhou para a minha mesa e disse: ‘São três reis magos.’ Fingi que compreendi com o meu olhar e continuei a degustar uma caipirinha de tangerina que não estava descendo bem. De novo: ‘São três reis magos.’ E de novo. Ele degustava uma, outra e outra cachaça e repetia a mesma frase, até que, um tempo depois, pediu que uma canção da Elza Soares fosse colocada, ordem essa que não foi rejeitada pelo barman. E ele dedicou a canção a mim e minhas irmãs. Ao encontrarmos a saída do bar, ele finalizou: ‘São três rainhas magas.’
Nas duas situações, ouvi pessoas ao redor dizendo: ‘Ih, é maluco.’ Mas quem são os normais? Quem são os loucos? Oferecer água é bizarro? É normal arrancar as coisas das mãos das pessoas? Estabelecer contato com desconhecidos é coisa de louco? Quais são os limites da normalidade ou da insanidade? Vejo várias pessoas se auto-definirem muito loucas porque saem na madrugada, bebem excessivamente, trepam com qualquer um, fumam maconha e acordam bem cedo pra trabalhar no dia seguinte. Isso é loucura? Vejo também o ensandecimento coletivo sendo estimulado e patrocinado no Carnaval. Mais bebida, mais sexo, mais drogas, e nenhuma carne na Quarta-Feira de Cinzas porque, afinal de contas, é o início da quaresma. Isso é ser louco? Ainda, despedidas de solteiro e de solteira, que são aquelas horas nas quais faz-se de tudo, porque, no dia seguinte, a vida tem que voltar ao normal e você vai se tornar uma pessoa séria, digna de compromisso. Isso até o próximo Carnaval ou a despedida de solteiro de um grande amigo seu. Que loucura de hora marcada é essa??? A loucura, a bizarrice, a insanidade, a irregularidade não têm controle!!! Penso que a loucura, o ensandecimento, é permanente, é um estado de espírito, é uma delícia promovida pela busca do auto-entendimento que nunca é alcançado, pela auto-aceitação ou não daquilo que não se compreende em si, pela perda da limitação do certo e errado imposto pelo outro numa tentativa de castração e controle. Isso tudo nos faz mais próximos da beleza, da poesia, da doçura, da harmonia e do amor. O padrão da normalidade imposta, que não tem definição, produz pessoas normais (ou pseudo-loucas, ou loucas honorárias) que não vêem o esplêndido, nem são felizes, nem entendem o amor. Os verdadeiros loucos, insanos na essência, pra mim, são privilegiados e poucos. Quero mais é ser bizarra, fora do padrão, atingir o nirvana da loucura. E permanecer.

Um comentário:

  1. Pois é, a algum tempo li um livro onde um médico buscava tratar a loucura de todos aqueles que ele assim considerava...é uma história simples... lúdica... mas "O Alienista" nos mostra um ponto de vista muito interessante... quem somos nos para medir a loucura dos outros... nao somos ninguem além de outros loucos... depende que quem faz a análise... Na verdade tentamos transferir a nossa falsa moral e buscar ressaltar as mazelas do indivíduo quando, na verdade, escondemos as nossas maiores fraquezas...
    O ser humano ainda precisa entender que a loucura nada mais é do que uma forma de expressão que ainda se mostra indecifrável... Ora, somos todos loucos! Uns mais, outros menos...
    O dificil nao é conviver com a loucura... o difícil é admitir que de médico (como O Alienista) e de loucos... todos nós temos um pouco.

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