terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Paralelos

Mais um conto meu...

Há exatos três meses já não se falavam. O silêncio já tinha se tornado tão denso que era possível perceber a espessa parede que os separava. Tudo estava resumido numa só lembrança que já havia sido compartimentada em alguma esquina da sua memória... Observava a paisagem que corria pela janela do carro, quando escutou o som que vinha do telefone. Uma mensagem, e não uma mensagem qualquer, era responsável pela interrupção do silêncio.

Há exatos três meses teve notícia dela. Percebeu, ao acordar naquele dia, que o denso silêncio revelava a distância que surgia, fazendo com que o medo da real perda o invadisse cada vez mais. Saiu da cama e decidiu esquecer de lembrar-se dela.

Abriu a bolsa e encontrou o telefone. Expectativas à parte, avançou para o aparelho e... Não. Por que ele decidiu quebrar o silêncio? Por que uma mensagem? Relutou. Não sabia se queria saber dele.

Ligou a televisão. Esse é um dos seus filmes favoritos. Ela sempre falava desse filme... Trocou de canal. Culinária. Comida chinesa... Sempre comíamos naquele restaurante... Nosso segundo encontro... Trocou novamente de canal.

Por que ler? Por que ter acesso ao que ele pensa ou quer dizer? Mais uma vez: tudo já estava resumido e compartimentado em alguma esquina de sua memória. Desarquivar? Não... Deixou o aparelho de lado.

A televisão não estava disposta a colaborar com ele. Decidiu tomar um banho, deixar que a água levasse aquele coquetel de sentimentos embora. Ao entrar debaixo do chuveiro, percebeu que não tinha mais sabonete. Abriu o armário e lá estava ele: o último frasco de xampu deixado por ela.

Voltou a observar a paisagem que corria pela janela... A curiosidade tomou conta do espaço: precisava ler a mensagem, saber que palavras estavam esperando por ela. Avançou contra o aparelho novamente.

Chorou. Chorou tanto que o chuveiro não conseguia disfarçar a tristeza e o arrependimento que brotavam dos olhos. Preciso dizer o que sinto e tenho que ser rápido. Não posso ligar... Uma mensagem, o registro por escrito daquilo que quero. Preciso consertar isso. Preciso.

Correu os olhos pela longa mensagem, analisando cada palavra, interpretando cada expressão... No rádio, "The Hardest Part" preenchia o carro... Adeus, choro, tristeza, mágoa. Correu os olhos pela mensagem mais uma vez. Sorriu. Ele quer... Sorriu mais uma vez. Ele ainda pensa... Ele está arrependido.

Será que consigo tê-la novamente? Esperou a resposta para sua longa e desmedida mensagem, escrita com tanto esmero e dedicação.

Gargalhou. Riu tanto que já não tinha mais fôlego para sustentar aquele momento de êxtase. Depois de três meses ele conseguiu proporcioná-la um prazer tão intenso! Se soubesse, já teria lido a mensagem assim que a recebeu! Sentiu vindo de seu âmago duas palavras: bem feito. Sim, o sabor do troco silencioso era sorvete de pistache coberto com chantilly! E ela saboreou aquele momento que não parecia ter fim.

5 comentários:

  1. Olá Bia!
    Dei uma passadinha rápida no seu blog e tive a oportunidade de ler sua poesia do dia 5 e o texto do dia 15. Fiquei emocionada com a sua capacidade de escrever coisas tão lindas e penso que minha mãe também ficaria muito feliz pois ela gostava muito de poesias. Tenho muito orgulho de ter uma filha como você. Parabéns e continue sempre assim. Te amo muito.
    Uma beijo com saudades.
    Marie.

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  2. uau. Dizer o que, né? É isso aí. Cada caso com seus detalhes sórdidos à parte, na essência seu conto relatou algo que se repete e se repete e se repete e se repete e se repete e se repete mesmo com muitos de nós. Às vezes estamos de um lado da história, às vezes do outro.
    No momento, eu tô esperando o dia em que vou saborear (quem sabe?) meu sorvete de pistache coberto com chantilly!
    bj

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  3. Caralho, você é foda! O texto ficou muito maneiro!

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  4. Oi Bianca,
    adorei o texto.. é literatura pura, nua e crua. E das boas. Parabéns!
    Já tem uma editora?

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  5. Oi Emerson!
    Agradeço sua presença ilustre por aqui! =)
    E obrigada pelos elogios! Tô procurando uma editora... Conhece alguém?

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